segunda-feira, 13 de maio de 2013

Crônica de um dia




A carteira

             Era dezembro em um dia de semana, suponho ser quinta-feira, já estava acostumado ao verão escaldante de Porto Alegre. Esse verão no qual quase morremos de calor, fica úmido todo corpo e roupas: camisas, calção e boné. Pior é o ônibus que não ajudava em nada, mesmo que se abrissem todas as janelas ficava quente igual.
             Eu, Augusto, mulato apenas como o ensino médio procurava trabalho, tarefa difícil, porque um branco encontrar era fácil; mas um mulato ou negro não era. Falam não existir racismo, mas é só conversa. A sociedade ainda se prende ao modo de vida europeia; há sempre uma ponta de hipocrisia disfarçada de burocracia.
               O certo é que entrei no ônibus, para voltar à casa. Paguei a passagem e girei a roleta (ou catraca). Dirigir-me a um lugar cômodo perto da janela, procurei o fone de ouvido; então me lembrei de que tinha o quebrado. Havia apenas dois reais e quinze centavos em meu bolso e numa pasta meu currículo.
             Sabe essa era a pior parte do dia, voltar para casa, fracassado. Só quem já procurou emprego sabe como é; ter que voltar e dizer: “hoje não consegui nada”. O mais difícil não é o fracasso, mas sim ter que enfrentá-lo. Era horrível voltar com as expectativas destruídas, ter que ver uma geladeira vazia; não quero nem imaginar as pessoas que possuem filhos. (lembro-me que esse era a pior parte do dia)
             Voltando ao ônibus. Uma grávida entra e tenho que cumprir meu dever de cidadão, concedo a ela meu lugar. Então entra um homem muito arrumado, com a carteira sobressaliente quase caindo. Nesse tempo que passa são os minutos mais longo da minha vida, imediatamente, penso em pegá-la e arriscar uma corrida; calculo o tempo e o modo. É como um copo de água no deserto, o ônibus para e se abre a porta. “pode ser agora penso”, cogito fazer isso um, duas, três... quinze vezes, tarde demais a porta fecha-se o ônibus segue viagem.
             Após o ocorrido o homem se levanta e a carteira caí, logo aparece o pensamento “é agora”. Então me lembro do que me falaram um dia “um homem sem dever é um homem ser direito”. Levanto a carteira e entrego ao homem, ele olha desconfiado; e energicamente recolhe-a de mim, dizendo um muito obrigado forçado. Ele vai embora e penso “vou me arrepender disso tudo”, mas era somente o que poderia fazer. “É certo vou me arrepender”, segue o ônibus para casa.

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