sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

O luar de Orfeu


I

Passa um avião;
por escombros de uma cidade,
a qual um dia teve vaidade.
Destroços de prédios.
Fim do bairro.
Sem vidas, sem tempo.
Com silêncio e destruição.

 O avião voa.
O piloto vê que no chão nada povoa.
Pronto para atirar em um sinal.
O sinal e o da vida, abate-se como um animal;
doenças e sofrimento o homem não resiste
à ferida.

Um homônimo sai das sombras.
Um homem apenas na cidade.
Morreram os outros.
Alí passou a guerra.
Sangue molhou a terra.

Longe ele vê o avião saindo da visão.
Agora sem ter outros vem a solidão.
Faz sentido explicar o nome do homem.
Chamava-se Henrique.
Era um violinista ainda tinha o violino na mochila.
A suas costas o único tesouro.
Um violino num case de couro.

Não, seu nome não é Orfeu.
Nem deve ser.
Mas a música que insisti em fazer
essa é tão linda como a de Orfeu.

Caminhando entre destroços ele estava.
Juntando os pedaços da vida que amava.
Tentando não chorar.
Você sabe quando não se pode chorar
os agoniados se contentam em sonhar.
Dormir até a morte os buscar.

Sentou-se numa pedra.
Olhou o sol a refletir nos rostos mortos.
Mulheres, velhos, jovens e crianças todos mortos.
A calamidade da guerra havia passado.
Trégua não havia dado.

A guerra é a besta que há em cada homem.
Assim todo homem deseja o domínio sobre seu
próximo.
Através da violência, roubo ou negócios.
Mas agora não importava nada.
Por que todos estavam mortos.

Henrique cansado e com fome caiu.
Adormeceu e nada viu.
Um sono de esquecimento apareceu.

II

Acorde, acorde;
Porque dormir aí é perigoso.
Esconda-se dos olhos alheios.
Saia da visão dos morteiros.

Aos poucos Henrique se levanta.
Aos poucos começa acordar.
Talvez ouviu nosso apelo.
Olhos começam a se abrir.

Porém não aparecem abertos,
pois a visão é obscurecida.
Nada pode ser visto só a lua.
A sós; só ele é o luar.
Uma visão vencida.
Na cidade destruída.

Essa é Berlim,
depois da guerra ela ficou assim.
Cidade de obscuro fim.
A longa avenida se estende.
Prédios destruídos, janelas quebradas,
corpos mortos e lojas saqueadas.

Henrique ao longo da avenida caminha.
O cheiro de decomposição se alastra,
vulgo cheiro de morte.
O vento branda frio e chiado.
Henrique rouba um casaco
de um morto para não ficar resfriado.
O barqueiro havia esquecido esta alma.

- "Desculpe Senhor, mas disso não vai precisar."
Um silêncio tão profundo como uma resposta.

O protagonista se arrasta até um prédio.
Era a barbearia destruída e saqueada.
Senta-se e o violino retira do repouso.
Examina-o, dá uma afinada nele.
E começa a canção entonada.

"Conheci uma garota que sabia tudo.
 Sobre o céu e a terra.
Falava sobre paz e guerra.
Ela sabia tudo.
Ela sofria muito.

Seus pais brigavam todo tempo.
Ela chorava.
Nada era como sonhava.
Pobre rouxinol canta por não poder chorar.
De tanto chorar ela morreu.
Mas o rouxinol falou;
não chorrem, pois para casa ela foi.

Ela não merecia tanta tristeza.
Que mundo, que frieza.

Amei uma garota que sabia tudo;
sobre luz e trevas.
Falava de mecânica a Eros.
Ela sabia tudo.
Eu amava-a muito.


Mas o rouxinol falou;
não chorrem, pois para casa ela foi."

Parou a canção.
Em uma destruída construção.
Só há sua respiração.

Entre ferros e tijolos algo há.
Alguma coisa se move.
Ele se esconde e ouve.
Pergunta-se, o que haverá ?

É um regimento de soldados.
Todos marchando e armados.

Ele, imediatamente, reconheceu a suástica.
Então procurou abrigo.
Não direi que povo é esse,
nem o seu motivo que se movesse.
Aqui não é lugar de ideologias.
Não aqui comigo.
Se é certo ou errado é com você amigo.

O fato é que nosso protagonista encontra
uma velha padaria.

Na ruína dela ele se esconde.
Com medo nem olha o inimigo, aonde.
Por um tempo fica alí com frio.
Nem se move, nem um fio.

Até o barulho terminar.
Então, finalmente, pode respirar.
Assim foi e pode espiar.
Haviam ido, 
agora leve esta o ar.

III

Difícil é contar
e mais ainda é cantar.
Desse ponto não entendemos nada.
Voltaremos no tempo para melhor contar.
Para entender essa guerra fracassada.

Alguns anos antes no gueto judeu...

Deus, quem inventou esta mentira.
A que os povos arianos são melhores.
Esse mito que todos crêem.
De uma raça superior de seres piores.

Um mito que o povo acredita.
Mentiras a muito ditas.
Até agora de seres superiores.
Quem inventou?
Quem acreditou?

São esses os culpados da miséria.
Esquecem que o criador tem a todos como iguais.
Não há inferiores.
Somos todos homens iguais e mortais.

Chega de missiva, volto a narrativa.
É pobre o lugar e o povo na ativa.
Melhor é miserável, pior que Vitor Hugo;
podia descrever.

Duzentas calorias são pouco para um judeu.
Por que tal maldade, nem somos ateus;
mas era o fato e ato.
O nazismo havia diminuído a alimentação.
Era para morremos em desnutrição.

As crianças sofriam com piolhos.
À miséria, já eram acostumados os olhos.

O protagonista era jovem,
mas já estava magro também.
Lembro-se que leu um autor,
Chamava-se Albert Einstein.
O autor era contra a guerra e dor.
Era um físico que tinha escrito;
e era judeu também.
(mal sabia que era o "pai da relatividade")

Ali não havia apenas judeus.
Também tinha ciganos, homossexuais,
negros e homens com diferentes ideais.
Havia homem com coragem para questionar.
É soldados com coragem para desertar.
Não apoiaram esta abominação com os judeus.

Henrique não era judeu.
Era um soldado polonês,
o qual rejeitou o regimento de uma vez.

"Era o 9° regimento que faria uma inspeção.
Ele foi designado para a operação.
Ela ocorreria nos guetos judeus;
era um bairro separado da cidade.

Muros altos e cercas farpadas.
Mas a situação saiu do controle.
Logo, após soldados maltratarem os moradores,
outros viram sentir as dores.

Houve tumulto e confusão.
O capitão separou alguns moradores,
Ou melhor prendeu.
Sobre o meu papel de soldado era fazer a execução.
Não cumpri meu dever.
Fui torturado e mandado para a solidão.
Assim vim parar aqui.(em uma prisão)

Do resto basta dizer tenho 34 anos.
E era um soldado a 4 anos.
Tenho boa noção de literatura,
matemática, português e filosofia.
Embora esse livro sejam proibidos aqui.

- "Henrique, você conseguiu mais remédios."
Disse um mulher na porta de minha residencia.
-"Para que necessita?que desinência?
-" Meu filho não para de tossir,
tenho medo que não vá resistir."

Henrique fica com remorso por sua ação.
-" Desculpe, pela reação,
mas a senhora já falou com o movimento.
-"Sim, eles que me mandaram aqui."
-" Vou ir a parte alemã, ver se consigo os remédios."
Ele diz isso sabendo que as revistas são rigorosas.
Mas Henrique tinha privilégios nessa geração odiosa.

IV

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